Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, de 23 de abril de 2024, na coluna "Palavra do Gestor".
Quando as pessoas pensam no investimento em bolsa de valores, o que vem à cabeça é o stock picking, ou seja, saber quais são as melhores ações para investir. A formação de um portfólio seria a consequência da escolha de ações individuais. As pessoas nunca pensam que talvez o melhor caminho seja escolher, de largada, um processo de investimento e, a partir dele, formar um portfólio. Em linguagem técnica, isso pode significar escolher um fator. Uma analogia boa é a pescaria. A primeira coisa para uma boa pescaria é pescar onde tem peixe, certo? Digamos que o fator é o rio que tem peixes, ou seja, a maior probabilidade de retornos superiores.
Os fatores são fruto de pesquisas acadêmicas que mostraram que portfólios que seguem um conjunto estrito de regras têm resultados superiores. Os fatores estão presentes no mundo todo e seguem existindo ao longo do tempo. Por incrível que pareça, mesmo conhecidos, eles não desaparecem e têm resultados superiores, ainda que oscilando ao longo do tempo. Qual o segredo? O investidor tem que seguir a estratégia fatorial de forma sistemática e consistente ao longo do tempo, ignorando ganância e medo. Estranho? Não se pensarmos nos ralis de regularidade e nas tartarugas! Em um rali de regularidade, não ganha o carro mais rápido, ganha o mais regular. No conto de La Fontaine, a Lebre e a Tartaruga, quem ganhou a corrida foi a tartaruga!
Um desses fatores é o value investing ou investir em empresas baratas. Isso significa o investidor seguir uma ou algumas métricas de fundamentos da empresa para comprar e vender ações baratas. As métricas podem ser, p.ex., P/L (preço/lucro) ou EBIT/EV (lucro operacional/enterprise value). O importante é comprar ações baratas. Seguindo a métrica escolhida, o investidor monta a carteira, fica com os papéis por algum tempo e depois disso revê as suas posições, também de acordo com a mesma métrica. Neste momento, alguns papéis são vendidos e outros comprados. Esse ciclo de compras e vendas deve ser observado sempre. Pura regularidade.
Vamos dar alguns números para ilustrar o que estamos descrevendo. Entre 31/05/2007 e 31/12/2023, o índice S&P/B3 Valor Aprimorado teve um retorno anualizado de 12,97% a.a., contra um retorno do Ibovespa de 8,86% a.a. Sem entrar nos detalhes do cálculo do S&P/B3 Valor Aprimorado, ele leva em consideração, entre outros fatores, o P/L de uma ação para formar uma carteira de 30 papéis. Fácil? Em 23/02/2024, estatais (Petrobrás, Banco do Brasil, Cemig, Banrisul e Copasa) eram aproximadamente 31% da carteira do índice. Muita gente não tem apetite para investir em estatais, quanto mais para que elas sejam quase um terço da carteira.
O leitor mais atento pode estar pensando “o resultado é ótimo, mas a volatilidade deve ser maior que aquela do Ibovespa”. A volatilidade anualizada no período do índice S&P/B3 Valor Aprimorado foi de 25,79% contra 22,94% do Ibovespa. Esse mesmo leitor pode ter concluído que ele tinha razão. Particularmente, achamos que a volatilidade compensou, mas as coisas vão melhorar. Digamos que esse foi um rali de regularidade com umas curvas no caminho. Que tal mais retorno e menos volatilidade ao mesmo tempo?
Agora, é a vez de vermos o investimento em ações de baixa volatilidade. O princípio de formação e giro da carteira de investimento é o mesmo que descrevemos acima, o que muda é a métrica. Agora, um elemento fundamental para decidir pela compra ou venda das ações é a volatilidade do preço. Baixa oscilação dos preços é o principal critério para compra e manutenção das ações. Para exemplificar, vamos usar o índice S&P/B3 Baixa Volatilidade. No mesmo período citado acima, esse índice teve um retorno anualizado de 14,27% a.a., batendo o índice S&P/B3 Valor Aprimorado e o Ibovespa. A volatilidade anualizada do índice S&P/B3 Baixa Volatilidade foi de 16,46% no período. Mais retorno com menos volatilidade, um total contrassenso do tradicional binômio de risco/retorno em finanças. Um prêmio para a tartaruga!
Qual o milagre? O comportamento humano, que cria anomalias como essas. Investimento em empresas maduras costuma ser visto como “sem graça”. Para ilustrar, em 23/02/2024, aproximadamente 41% da carteira estava em utilities (empresas de energia, saneamento e gás). Muitos investidores não toleram esse tipo de concentração e querem ter alguma empresa com um (alegado) futuro de crescimento pela frente.
Os céticos vão dizer que os índices que citamos acima são teóricos e impossíveis de serem replicados na prática. Isso não é verdade. Eles são formados a partir do Broad Market Index Brasil, também calculado pela S&PDJI. Em geral, o BMI Brasil tem as 200 ações mais líquidas do mercado, o que exclui as empresas muito pequenas, ou seja, os índices são passíveis de serem aplicados na prática. Viva a tartaruga!
Cássio Beldi e Augusto César Rodrigues são sócios da Guadua Capital.